São Paulo
A 48 dias de deixar o comando do Banco Central, Roberto Campos Neto diz não ser “monitor fiscal”, mas dá opinião sobre o tema e afirma que há pressa para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentar um conjunto de medidas de corte de gastos capaz de reverter a piora da percepção de risco do Brasil.
À Folha, ele diz que a receita tem dois caminhos: cortar despesas na “carne” em 2025 e apresentar medidas que indiquem aos agentes econômicos que estruturalmente o arcabouço fiscal –a nova regra para o equilíbrio das contas públicas– ficará mais sustentável no futuro.
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista à Folha em São Paulo – Zanone Fraissat/Folhapress
Para o presidente do BC, a demora do anúncio deixa cicatrizes no meio do caminho, como investimentos desperdiçados. “Quanto mais se espera, depois mais você acaba tendo que fazer. O choque que precisa ser produzido depois é maior”, diz.
Depois da divulgação da ata do Copom (Comitê de Política Monetária), o chefe da autoridade monetária nega a intenção de acelerar o ritmo de alta de juros e enfatiza que o colegiado não quis dar sinalização sobre os passos futuros.
No debate sobre o crescimento do país, ele chama de retrocesso a discussão sobre o fim da escala 6×1 de jornada de trabalho. “[O projeto] volta atrás num avanço que foi feito.”
O sr. tem falado em choque fiscal. Pode explicar o que isso significa?
O mercado começou a questionar mais e mais a trajetória da dívida. Grande parte da piora do prêmio de risco [rentabilidade adicional cobrada pelos investidores no Brasil] está associada a esse fato. Se colocou muito peso na eleição do Trump. [Mas] Vimos que, no dia posterior à eleição, não foi ruim para o mercado no Brasil. A moeda até se valorizou bastante. Um pedaço grande dessa piora está ligado ao fiscal.
Eventualmente, caminhamos para uma bifurcação. Para ter uma saída mais organizada, precisa fazer um choque fiscal positivo. Em vez de esperar chegar essa bifurcação, se a gente consegue se antecipar e criar uma surpresa positiva para o mercado em termos de choque fiscal, ajuda.
Mas o que é?
É uma percepção de que, de fato, o governo está fazendo um corte de gastos que seja relevante não só no curto prazo, mas também de forma estrutural para frente.
Esse choque define os rumos da política de juros até o fim do ano?
Não mecanicamente, mas, se o choque tiver um impacto nas variáveis macroeconômicas de tal forma que diminua o prêmio de risco, impacta, sim.
O Copom fala na ata sobre a necessidade de medidas estruturais para sustentar o arcabouço. Muitos analistas entenderam que seria necessário mudar o limite superior do arcabouço, de 2,5%, para ter essas mudanças…
O que poderia ser capaz de reverter esse prêmio de risco é um conjunto de medidas que tenham duas dimensões. A primeira é gerar um corte de gastos na carne no ano de 2025, que seja relevante. E, depois, medidas que indiquem aos agentes econômicos que estruturalmente o arcabouço fica mais sustentável para a frente.
Tem uma percepção de que tem que ser corte de gasto, se forem colocados itens de receita no meio do conjunto de medidas esperado tem um risco de interditar o debate no Congresso. Tem o risco de ser visto como uma medida que não atende os critérios para a diminuição no prêmio de risco. E agora tem pressa.
Pressa para as medidas?
O tempo é super-relevante. Quanto mais se espera, depois mais você acaba tendo que fazer. Vai gerando uma dinâmica de piora. O choque que precisa ser produzido depois é maior. Tem uma percepção que, quando se tem uma piora de preço e ele volta, voltou tudo ao normal. Isso não é verdade. A trajetória de preço com uma piora muito grande, acompanhada de uma melhora, deixa cicatrizes no meio do caminho.
É gente que não investe, é alguém que fez um hedge, é um investimento que vinha para o Brasil e não veio. É sempre bom voltar a um…
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