Uma pacata cidade argentina, mais conhecida por suas laranjas, se tornou o símbolo de um esquema de pirâmide que está varrendo o país, já em crise, e que custou as economias de milhares de pessoas.
Quase 30% da população de San Pedro, uma cidade de 70 mil pessoas situada a cerca de 170km ao norte de Buenos Aires, usou em um aplicativo de investimento vendido por dois atores se passando por empresários que prometiam retornos diários de até 2% pagos em criptomoedas.
“Eu confiei, assim como alguns na minha família”, disse Carlos Rodriguez, morador de 66 anos, à estação de rádio Cadena 3, acrescentando que o aplicativo RainbowEx mostrou que ele ganhava de 80 a 100 dólares por dia, quase dobrando sua renda.
Mas o sonho de dinheiro fácil em um país que lutava contra uma recessão severa e uma inflação de três dígitos logo se transformou em pó. Rodriguez perdeu quase todas as suas economias. Ele é uma das 15.000 a 20.000 pessoas em San Pedro que investiram na plataforma, disse o prefeito da cidade, Cecilio Salazar, à Rádio 10.
Milhares de vítimas
“Estamos diante de um golpe de 49 milhões de dólares [cerca de R$ 280 milhões]”, disse à AFP o advogado Adolfo Suarez Erdaire, que representa cerca de cem supostas vítimas, acrescentando que recebeu “ligações de todo o país”.
Dois cidadãos argentinos foram presos em conexão com o caso. Um esquema pirâmide é um esquema fraudulento em que o dinheiro de novos investidores é usado para pagar investidores antigos até que o fluxo de dinheiro novo seque e a empresa entre em colapso.
Suspeitas de golpes semelhantes também foram relatadas recentemente nas províncias de Chubut e San Juan, no sul, na província de Santa Fé, no centro, e em Córdoba, no norte, todas envolvendo outra plataforma, a Peak Capital, que fechou em 18 de outubro.
“Há milhares de vítimas”, disse a promotoria de Chubut, acrescentando que os valores fraudados chegam a milhões de dólares. “Há uma epidemia”, disse à AFP Maximiliano Firtman, especialista em TI que investigou o RainbowEx.
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Firtman seguiu os passos da plataforma até um hotel de luxo em Buenos Aires, onde dois homens, se apresentando como executivos dos EUA, deram uma palestra no mês passado para potenciais investidores.
Os empresários eram, na verdade, atores poloneses que foram contratados por uma agência para fazer o papel de investidores. O escândalo virou manchete em todo o país.
A RainbowEx, que afirma estar sediada em Cingapura, interrompeu suas operações na Argentina há duas semanas e ainda exigiu 88 dólares dos usuários para que pudessem sacar seus fundos. Muitos pagaram o dinheiro, mas não recuperaram o investimento.
As revelações acontecem no momento em que a economia argentina afunda ainda mais na recessão após meses de duras medidas de austeridade prescritas pelo presidente Javier Milei para controlar uma das maiores taxas de inflação do mundo e eliminar um profundo déficit orçamentário. Mais da metade da população da segunda maior economia da América Latina vive agora abaixo da linha da pobreza.
Tornando-se um adolescente milionário
Os golpes estão “tirando vantagem da crise”, disse Firtman. Ele acrescentou que os jovens, que são desproporcionalmente afetados pela pobreza — 60,7% dos argentinos entre 15 e 29 anos são oficialmente considerados pobres —, estavam promovendo o que ele chamou de “Piramidemia”.
O sociólogo Ezequiel Gatto relacionou a onda de especulação juvenil aos jogos.
“Houve uma gamificação do dinheiro”, disse ele ao jornal Página 12, observando que as interfaces de alguns aplicativos de investimento lembravam as dos videogames.
Os golpes vêm em diferentes formas. Nesta quarta-feira, uma deepfake do astro do futebol argentino Lionel Messi promovendo um esquema para transformar 75 em 2 mil dólares em uma semana começou a circular nas redes sociais.
“Você não precisa ser um especialista em economia ou conhecedor de mercados”, diz o falso Messi, convidando potenciais investidores a participar de um grupo do Telegram.